Presente em 152 paÃses, Capoeira pode virar profissão no Brasil
Por iniciativa da senadora Lídice da Mata (PSB-BA), com apoio do senador Paulo Paim (PT-RS), a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado promove nesta quarta-feira (7), audiência pública com o objetivo de debater o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados N° 31/2009, do deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que propõe que seja reconhecida a prática da capoeira como profissão, na sua manifestação como dança, competição ou luta. O projeto trata da profissionalização da capoeira e sua regulamentação como atividade profissional e enquanto esporte e vem sendo discutido desde 2002 no Congresso Nacional.
“Esta audiência será mais uma oportunidade para que aspectos complexos do projeto sejam analisados”, diz a senadora. Para valorizar a capoeira, a parlamentar explica que a ideia é ouvir os capoeiristas para elaborar um parecer de acordo com o pensamento da maioria. “A questão do reconhecimento apontada pelos velhos mestres capoeiristas exige mais do que uma lei, carece de programas de governo como os já feitos, no passado, pelo Ministério da Cultura”, lembrou Lídice.
Para a audiência, foram convidados: a diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Célia Maria Corsino; o presidente da Confederação Brasileira de Capoeira (CBC), Gersonildo Heleno de Sousa; o mestre de capoeira Hélio Tabosa de Moraes; o presidente da Fundação Palmares, José Hilton Santos Almeida; o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis; e o educador e mestre de capoeira Reginaldo da Silveira Costa.
A capoeira – A capoeira está presente em 152 países do mundo e, somente no Brasil, é praticada por cerca de seis milhões de pessoas. A capoeira tem sido objeto de intensas discussões quando se trata de sua regulamentação enquanto segmento esportivo. Uma das razões que levou o então ministro da Cultura Gilberto Gil a acelerar o processo de registro enquanto patrimônio imaterial foi exatamente a enorme polêmica causada à época por conta da exigência do Conselho Federal de Educação Física para que os mestres de capoeira tivessem que se filiar ao referido órgão e que, para tanto, deveriam possuir título de professor de Educação Física. Esta exigência, em particular, causou enorme indignação entre os praticantes desta manifestação cultural, pois levaria à exclusão de milhares de mestres tradicionais que, apesar de não possuírem título universitário, têm sido os grandes responsáveis pela existência, manutenção e difusão da capoeira até os dias de hoje.
Por iniciativa do IPHAN, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, a capoeira foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em julho de 2008. Na prática, significa que o Estado assume, desde então, a responsabilidade de implementar medidas de incentivo à prática da capoeira e de proteção de suas matrizes culturais. Como um dos desdobramentos desse registro, foi constituído e encontra-se em funcionamento (denominado Pró-Capoeira), no âmbito do Ministério da Cultura, um grupo de trabalho para realizar um diagnóstico da prática da capoeira no Brasil e no mundo e propor medidas de salvaguarda para essa instituição cultural.
Painel – Em dezembro do ano passado, a mesma Comissão de Educação do Senado promoveu painel de debates na cidade de Salvador, escolhida por ser um dos berços da capoeira no Brasil, onde nasceram dois de seus maiores expoentes – Mestre Bimba e Mestre Pastinha.
Na ocasião, participaram dos debates, além da senadora Lídice da Mata, representantes do IPHAN, da Fundação Palmares, da CBC e daUniversidade Federal da Bahia (UFBA), além de mestres e contramestres dos diversos ramos da capoeira (angola, regional, contemporânea, etc.), autoridades e adeptos desta que uma das mais conhecidas manifestações culturais populares do Brasil.
Em Salvador, Lídice da Mata ouviu inúmeras manifestações contra as exigências de escolaridade mínima e filiação a entidade de classe. Para os participantes, as exigências ferem a autonomia dos grupos e associações e privam do direito à profissionalização aqueles que são os maiores responsáveis pela transmissão do legado histórico da arte, que são os mestres capoeiristas. Durante aquele debate, o conceito da capoeira como atividade profissional enquanto esporte, foi fortemente contestado pela maioria dos presentes sob o argumento de representar apenas uma vertente da categoria e não contemplar a capoeira em todas as suas dimensões artístico-culturais.
Segundo o diretor da Fundação Palmares, Alexandro Reis, o projeto PL 31/2009 carece de alterações que assegurem, entre outros pontos, a proteção social e trabalhista ao capoeirista; o aporte de recursos para a capoeira; o reconhecimento dos mestres Pastinha e Bimba como patronos da capoeira; a implantação da prática de capoeira no ensino público e privado; a proteção e autonomia dos grupos e associações; e a garantia de concessão de aposentadoria especial para os mestres. "Enquanto autarquia do Ministério da Cultura que tem a função de proteger a cultura afro-brasileira, a Fundação Palmares entende que não se pode abrir mão da participação e do protagonismo do capoeirista no processo de debate; que esse projeto não pode deixar de reafirmar a cultura afro-brasileira como matriz primordial da capoeira; e nem pode prescindir do reconhecimento da capoeira como meio estratégico de promoção do Brasil no mundo, assim como o futebol", pontuou durante o painel em Salvador.
Já o presidente da Federação Paulista de Capoeira e representante do Terceiro Congresso Nacional de Capoeira, Jairo Júnior, preconizou a coexistência harmoniosa e pacífica entre os vários estilos e métodos, bem como a unidade da comunidade capoeirista. Ele apresentou uma proposta de substitutivo ao projeto. "Nossa preocupação é um texto que possa fortalecer esse patrimônio cultural que é a capoeira. Precisamos também cobrar do Estado que mestres capoeiristas não venham a falecer à míngua e na miséria como temos visto em nosso País".
Tramitação – Após análise da Comissão de Educação, onde ainda será votado, o projeto também irá tramitar na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, em caráter terminativo.